Blog do Fale - Levante sua voz contra a injustiça!

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Nota de repúdio da Rede FALE sobre manipulação política em Igreja evangélica em Londrina



Como é de conhecimento público, circula pela internet um vídeo em que um pastor da Igreja Presbiteriana Central de Londrina conclama o público de sua igreja a apoiar a criação de um partido político. Assistimos com consternação os mais de cinco minutos gastos pelo pastor para promover tal partido e suas ideias, especialmente considerando que fazia isto do púlpito de sua igreja. Não bastasse, funcionários do cartório eleitoral estavam na saída da igreja, prontos para coletar assinaturas.


A Rede FALE, movimento cristão que ora e age em favor de Justiça, repudiamos tal atitude. Desde 2012 a Rede FALE promove a campanha contra o “Voto de Cajado”, termo cunhado para denunciar a prática do uso da autoridade eclesiástica em púlpitos das igrejas para coagir seus membros para promover candidaturas e/ou partidos políticos.

Entendemos que o universo da religião e o da política podem se misturar sim, mas que isso deve acontecer a partir de uma perspectiva democrática, plural e de defesa do Estado laico. Também compreendemos que um líder religioso tem o direito a ter posição política como qualquer outro cidadão, contudo não pode usar de suas funções para coagir suas ovelhas em benefício de sua preferência política pessoal no âmbito das celebrações do culto cristão. O que se observa neste vídeo e em diversas outras ocasiões é o uso manipulador da religião para propósitos políticos; denunciamos com veemência essa prática por ferir a ética pastoral e ao direito de livre consciência na vida das comunidades de fé evangélica.

Por último, conclamamos nossos irmãos e irmãs a se unirem a nós na busca por discernimento e denúncia profética nesse momento estarrecedor da política brasileira, onde parece não haver mais escrúpulos quanto ao uso que se faz do espaço religioso, e em que o abuso da autoridade espiritual é algo que observamos quase que cotidianamente. Lamentamos esses episódios pois, como nos alerta o sociólogo Paul Freston, “A pluralidade política da comunidade cristã é fundamental e quando se tenta abolir essa pluralidade quem sai perdendo é a própria igreja, e quem se danifica aos olhos da sociedade é a própria fé.”

terça-feira, 26 de junho de 2018

Jesus, Bartimeu e o Grito dos Excluídos

Marcos Aurélio dos Santos

“E depois, foram para Jericó. E, saindo ele de Jericó com seus discípulos e uma grande multidão, Bartimeu, o cego, filho de Timeu, estava assentado junto do caminho, mendigando. E, ouvindo que era Jesus de Nazaré, começou a clamar, e a dizer: Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim. E muitos o repreendiam, para que se calasse; mas ele clamava cada vez mais: Filho de Davi! tem misericórdia de mim. E Jesus, parando, disse que o chamassem; e chamaram o cego, dizendo-lhe: Tem bom ânimo; levanta-te, que ele te chama. E ele, lançando de si a sua capa, levantou-se, e foi ter com Jesus. E Jesus, falando, disse-lhe: Que queres que te faça? E o cego lhe disse: Mestre, que eu tenha vista. E Jesus lhe disse: Vai, a tua fé te salvou. E logo viu, e seguiu a Jesus pelo caminho”. (Mc.10.46-52). 




Esta passagem bíblica é um dos relatos mais notáveis na história da humanidade. Um cego pobre, vítima da opressão entre os excluídos, que vivia miseravelmente tem um encontro que mudaria sua vida de maneira radical. Um encontro que promoveu não somente uma mudança espiritual a partir de um milagre da cura de sua cegueira, mas algo que trouxe transformações mais abrangentes. A experiência de seu encontro com Jesus teve Implicações nas dimensões social, política e econômica. Um resgate de sua dignidade como ser humano em sua integralidade. Uma ação libertadora de Jesus.

Bartimeu, filho de Timeu, como é chamado nos escritos da Bíblia, era um cego que pedia esmolas na saída da cidade de Jericó, uma pequena cidade da Palestina que ficava situada a aproximadamente a dez quilômetros do rio Jordão. Nesta mesma cidade Zaqueu, o publicano, também teve um encontro com Jesus onde o recebeu em sua casa para uma conversa que o levou ao arrependimento quanto a opressão aos pobres. Jesus inicia seu ministério em um contexto de injustiça e opressão, estas cometidas pelos ricos e poderosos do templo de Jerusalém, centro dos poderes econômico, político, social, religioso e do saber. Foi neste contexto de desigualdade que Bartimeu teve um encontro com o Jesus de Nazaré, servo dos pobres que denuncia o opressor e acolhe o oprimido.   


Podemos pensar sobre algumas questões que envolviam a vida de Bartimeu. Ele não era apenas cego, mas um homem pobre, que dependia das esmolas dos que passavam pela estrada empoeirada na entrada da cidade. Possivelmente passava a maior parte de seu tempo em um mesmo lugar, não tinha muita opção de caminhar pela cidade pois era cego, talvez alguém o guiasse, não sabemos ao certo. Vivendo uma vida miserável como mendigo (pobreza extrema), estava entre os excluídos e marginalizados pela sociedade. O texto nos dá uma boa pista quanto a maneira como eram tratados os da classe ralé em Jericó. “E muitos o repreendiam, para que se calasse; ” Bartimeu era mais um dentre muitos dos excluídos pela classe média judaica e pela sociedade. Este não tinha a ninguém a quem recorrer se não ao Deus de Misericórdia. O grito do excluído ecoa entre a multidão. E, ouvindo que era Jesus de Nazaré, começou a clamar, e a dizer: Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim! Um grito de quem por muitas das vezes não tem o que comer, sem lugar para se abrigar, com saúde fragilizada, sem alguém para oferecer um ombro amigo. Enfim, sem perspectiva de um renovo de esperança e sem dignidade.  


Bartimeu estava incluso no grupo dos esquecidos como no caso do coxo que estava assentado na porta do templo (At. 3.2), dos leprosos (Lc. 17.12) . Essas pessoas viviam em sua maioria na Galiléia, lugar onde Jesus começa seu ministério. Dentre estes haviam famílias pobres, camponeses que viviam sob opressão do império Romano, forçados a pagar altos impostos que chegavam a 50% da renda. Também pescadores que tiravam o sustento de suas famílias do mar da Galiléia e pequenos comerciantes.  Mas em meio ao sofrimento do povo emerge a boa notícia. É chegado o reino libertador de Deus. Jesus, o Nazareno passava por ali. Bartimeu não se intimida com a pressão negativa e preconceituosa de uma parte da sociedade de Jericó. Ele clama pelo filho de Davi, o Deus encarnado, a esperança para os cansados e sobrecarregados, o alivio para os que sofrem, o libertador, o salvador da humanidade.


Naquele dia Bartimeu encontrou dignidade. Jesus o curou, ele passou a ver e seguiu-o pelo caminho. Renasce uma nova vida, uma nova esperança, um novo amanhecer. As boas novas do reino chegaram à pequena cidade de Jericó. Ao passar a viver e ver a vida de forma abundante, Bartimeu recupera sua dignidade como ser humano, passou a ser gente, recuperou a auto estima, não precisava mais mendigar o pão, o Evangelho do Reino lhe trouxe a oportunidade de enxergar a vida além das migalhas e sobras depositadas em sua vasilha pelos que passavam pela estrada. Ele passa a caminhar com Jesus, agora faz parte do movimento libertário do homem da Galiléia que atendeu ao clamor de seu povo, é o Deus Javé, manifesto na pessoa do filho amado. Daquele dia em diante ninguém mais  teria razões para repreender Bartimeu para que se calasse, pois não estava mais assentado à beira da estrada, sujo de poeira e com fome, ele parte em busca de novos horizontes, de uma vida livre abundante, cheia de alegrias e rodeado de amigos e amigas.

O encontro de Jesus com Bartimeu nos traz algumas implicações práticas para hoje. Quantos Bartimeus estão vagando pelas ruas e becos de nossa cidade, estamos indo ao encontro deles?  Não seriam em sua semelhança os que mendigam nas paradas de ônibus, restaurantes ou nas esquinas? Ou moradores de rua que dormem nas calcadas e moram debaixo de viadutos? Ou ainda os homossexuais e prostitutas que vagam pelas ruas nas noites em constante perigo de morte? Jesus foi ao encontro de Bartimeu, e o acolheu. Ao exemplo do Homem de Nazaré, não devemos também ir ao encontro do pobre e levantar nossa voz contra todo tipo de opressão?  

Sobre o Autor: Marcos Aurélio é Teólogo e Ativista Social. É colunista do CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos). Facilitador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito em Natal, RN e coordenador do Espaço Comunitário Pé no Chão.  

sexta-feira, 22 de junho de 2018

O GOL E O SONHO

*Marcelo Santos



Douglas Costa, já livre dos marcadores, avançou pela grande área e cruzou a bola, a meia altura, para Neymar. O jovem craque brasileiro saltou, feito um colibri, e empurrou a bola para as redes. A emoção tomou conta do artilheiro. Enquanto lágrimas escorregavam pelo seu rosto, ele procurou uma das muitas câmeras de tevê. Juntou as mãos, feito um coração, e sussurrou um nome: “Marquinhos”.
Era uma referência ao menino de 14 anos, morto durante uma operação policial no Complexo de Favelas da Maré. Após o jogo, diante de uma placa de acrílico repleta de marcas de grandes empresas nacionais, como Itaú, Antártica, Sadia, Gol e outras, Neymar explicou sua homenagem. Disse que lamentava a violência sem limites no país que fez dele um garoto milionário. Criticou as ações policias que mais matam do que salvam.
O camisa 10 brasileiro lembrou que muitos jovens da Maré são como ele e seus colegas da Seleção. Garotos bons de bola que sonhavam com uma vida melhor. Com o gol. Com a alegria. Lamentou que muitos desses meninos, como grande parte de seus companheiros de time, também não tiveram nem mesmo o direito de crescer com o pai por perto. Neymar mostrou então uma das fotos que estampava os jornais na manhã em que a Seleção Brasileira conquistou sua primeira vitória na Copa. Era a foto da mãe do menino assassinado na Maré, segurando a camisa escolar manchada de sangue. Ele tornou a chorar, dessa vez copiosamente, sendo amparado por colegas do time. A entrevista teve que ser encerrada.
Um sonho de que um gesto de empatia qualquer ajude a gente a suportar estes terríveis dias de injustiça, violência e maldade.
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Marcelo Santos é Jornalista e membro da Igreja Betesda em Osasco


quinta-feira, 21 de junho de 2018

Trump, Feliciano, Sodoma e a barbárie contra imigrantes


*Texto de Sydnei Melo e Caio Marçal 



Como um governo que se diz cristão é capaz de tamanha barbárie? O governo Trump, apoiado pela direita cristã fundamentalista, tem massacrado e violentado os imigrantes.

Curiosamente, o governo que se assume como temente a Deus, se assemelha mais ao exemplo de Sodoma. Segundo a Palavra de Deus, “O pecado de sua irmã Sodoma foi este: ela e as cidades dependentes estavam cheias de soberba, abundância e despreocupação, mas não deram a mão para fortalecer o pobre e o indigente” (Ezequiel, 16: 49).

Diante das notícias repulsivas a que tivemos acesso hoje sobre a separação de crianças de suas famílias (imigrantes em condição de ilegalidade) pelo governo norte-americano, nos deparamos com uma fala absolutamente odiosa proferida pelo deputado e pastor Marco Feliciano.

Feliciano defendeu em tribuna que o governo Trump estaria apenas a cumprir uma lei, uma lei que teria sido criada pela "esquerda" - como se referiu aos presidentes Bill Clinton e Barack Obama, acusados como responsáveis pela adoção de tal política.

Marco Feliciano diz ter estudado a questão. Não fazemos ideia de que fontes ele utilizou. Mas, a princípio, é importantíssimo saber que: Trump usa, de fato, a justificativa de tal política de separação ser "culpa" dos democratas. Reproduzimos a nota da BBC a respeito:

"Trump culpou os democratas pela política, dizendo que 'temos que separar as famílias' por causa de uma lei que 'os democratas nos deram'.

Não está claro, porém, a que lei ele se refere, pois não há lei aprovada pelo Congresso dos EUA que determine que as famílias migrantes sejam separadas.

Verificadores de fatos dizem que a única coisa que mudou foi a decisão do Departamento de Justiça americano de processar criminalmente os pais pela primeira vez ao cruzar a fronteira. Como seus filhos não são acusados ​​de um crime, eles não podem ser presos junto com eles".

Também segundo a BBC, tal ato de separação se intensificou com a adoção de política de "tolerância zero" contra imigrantes ilegais por parte da procuradoria-geral norte-americana:

"As crianças estão sendo separadas dos pais na fronteira entre os EUA e o México como resultado da política 'tolerância zero' introduzida em maio pelo procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, e alvo crescente de críticas.

Essa política prevê que adultos que tentam atravessar a fronteira - muitos deles planejando pedir asilo - sejam colocados sob custódia e que enfrentem processos criminais por entrada ilegal no país.

Como resultado, quase 2 mil crianças foram separadas de seus pais depois de cruzarem ilegalmente a fronteira, de acordo com balanço divulgado na última sexta-feira.

Elas ficam abrigadas em centros de detenção, mantidas longe de seus pais".

É revoltante situação assim. Dá asco ver deputado que se diz crente relativizar este tipo de postura governamental com o intuito de atacar adversários políticos. Pior, parece que para o deputado pastor, que se diz defensor pró-família, a sacralidade da família dos imigrantes não tem a menor importância. O mandato do deputado Marco Feliciano fede a enxofre.

Ore pelos imigrantes que estão nos Estados Unidos e por suas famílias. Ore para que os pobres e marginalizados sejam alvo do nosso amor em todo o globo terrestre.

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Sydnei Melo é presbiteriano e Doutorando em Ciência Política pela UNICAMP;
Caio Marçal é batista e Mestrando em Sociologia pela UFMG.

sexta-feira, 25 de março de 2016

REDE FALE - SOBRE A CRISE ATUAL, FALAMOS PELA DEMOCRACIA

Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca ~ Amós 5.24

A situação de grave crise política e econômica que o Brasil experimenta nos últimos dois anos tem demandado das instituições e atores políticos bem como da sociedade civil atenção redobrada e grande esforço de análise.

As investigações da Operação Lava Jato fragilizam ainda mais um governo imobilizado pela incapacidade de realizar as políticas necessárias, notadamente as reformas estruturais, para a superação da crise e para o avanço da conquistas sociais e de direitos humanos.

Nesse processo, quanto mais setores da sociedade mobilizam as ruas pedindo o impeachment de Dilma Rousseff, tanto mais a mídia e setores do judiciário desviam-se do foco das investigações e alimentam o ódio e a discórdia entre a população ao fazerem uma cobertura seletiva e operações cada vez mais questionadas por seu caráter midiático, arbitrário e politicamente motivado.

A Rede FALE vê com preocupação o modo como o governo tem conduzido a crise política e como forças antidemocráticas, dissimuladas no combate (seletivo) à corrupção, fecham os olhos para desmandos que ameaçam o Estado democrático de Direito, exigindo um impeachment ainda sem bases concretas, tornando um expediente extraordinário em arma política. Abre-se aqui precedente terrível que pode alijar ainda mais nossa frágil e recente democracia. Com isso, são os setores mais vulneráveis da população quem mais têm sofrido com o risco dos retrocessos que se avizinham nas políticas sociais devido ao aprofundamento da crise econômica.

Tendo em vista este quadro, conclamamos os irmãos e irmãs à oração pelo Brasil e pelos nossos governantes a fim de que as instituições democráticas sejam fortalecidas e para que todos os que forem encontrados culpados por atos corruptos sejam devidamente punidos, sempre na forma e na força da lei.

Também conclamamos a todos atenção e serenidade a fim de escapar do “debate ideológico” polarizador e tendencioso que coloca a saída para a crise em soluções que submetem nossa democracia ao retrocesso e produzem ainda mais ódio, desejo de vingança e ressentimento político.

Reafirmamos nosso compromisso com um Brasil democrático e justo, como temos defendido em nossas campanhas, assim como nos espaços de participação e controle social de políticas públicas dos quais participamos.

Reiteramos nosso compromisso com uma Reforma Política Democrática, que amplie os mecanismos de participação direta e garanta maior ampliação e diversidade de participação de setores historicamente excluídos.

Por fim, somamos nossas vozes a de inúmeros grupos, movimentos sociais, lideranças evangélicas, intelectuais e organizações da sociedade civil que se levantam para defender a democracia brasileira e suas garantias constitucionais, a fim de que o Brasil encontre o caminho da justiça e da igualdade para todos e todas".



terça-feira, 8 de março de 2016

Sofia

Por Esther Faria

Sofia era uma menina sabida. Daquelas de parecer que já tinha nascido sabida. Desde pequena queria saber de tudo um pouco. “Mas por quê?” era a sua pergunta favorita, que não tinha uma resposta das mais esclarecedoras. Perguntava pra mãe, pro pai, pro vô: “Porque sim, menina! Vá brincar com a boneca!”. Mas Sofia era uma menina sabida, já sabia que “porque sim”, ora, não é resposta que se preze.


Sofia na escola era das mais sabidas da turma. Já sabia a soma, a subtração, a multiplicação e a divisão. Gostava mais da adição e da divisão. Sabia também as letras, e como eram legais as letras! Elas formavam palavras e Sofia amava palavras. Palavras são sempre muito especiais e importantes.  Na escola, Sofia tinha algumas chateações. Ela queria brincar no skate e no futebol, mas estava de vestido e a professora falava que mocinhas bonitas como ela, não podiam mostrar a calcinha nem ralar o joelho. “E se eu ficar uma mocinha feia, posso brincar?” Não, futebol e skate eram coisas de meninos. Ela, então, teve que se contentar com a boneca e a panelinha. Sofia tinha um amiguinho que gostava de brincar com a boneca e a panelinha também, seu nome era João. Na verdade, João era seu melhor amigo. Os outros meninos faziam as maiores implicâncias com ele, só por causa das panelas e bonecas. Sofia ficava muito brava com eles, porque não era nada sabido fazer isso.
Sofia também ia à igreja. Todos da sua família iam. Como Sofia era muito sabida, percebia que a igreja era um lugar muito especial, dos mais importantes.  Não achava que a igreja era um lugar de chateações, como a escola. Foi lá que ela aprendeu uma música sobre palavras, música que era uma das suas favoritas. Falava de três palavras que juntas tinham um significado muito sabido. Sofia amava palavras, mas amava mais essas três da música: “Três palavrinhas só, eu aprendi de cor. Deus é amor! Trá lá lá lá lá lá lá lá lá!”
Sofia foi crescendo e continuou indo na escola e na igreja. Na escola, era cada vez mais sabida. Decidiu que queria ser professora, para tornar os outros sabidos que nem ela.  Mas a escola ainda tinha muitas chateações, e quanto mais sabida Sofia ficava, mais chateações ela descobria.  
Teve um dia muito chateante, especialmente chateante, em que fazia muito calor. Sofia resolveu, é claro, ir de shorts para aula, já que short era roupa de calor. Entretanto, para a sua desventura, quando chegou à escola, foi “convidada” a trocar de roupa, porque shorts não eram roupas adequadas. “Mas por quê? Faz tanto calor!” “Shorts não são roupas adequadas para o ambiente escolar, Sofia. Incentivam o comportamento inadequado nos meninos. Você é uma moça tão bonita, não seja vulgar.”  E foi assim que ela descobriu uma resposta mas sem base que “porque sim”. Mas Sofia, é claro, não podia deixar as coisas sem base assim: “Mas por que os meninos podem fazer Educação Física de shorts e sem camisa? Não tem razão pra tirar meus shorts.” Levou uma advertência, por não aceitar o convite e porque perguntava por quê demais.  Levou uma bronca do pai e da mãe também, pois precisava se dar ao respeito.  Mas Sofia era muito sabida, e sabia que o respeito já era dela.
E como já foi dito, Sofia continuava indo à igreja. Ainda achava a igreja um lugar muito especial e importante. Todavia, descobriu que a igreja também tinha chateações. As mulheres de lá, na maioria só falavam em casar, mas ela queria fazer outras coisas primeiro. “Vou orar para Deus te dar um marido bom, minha filha.” Sofia até podia querer um marido um dia, talvez, mas agora queria alguém que orasse pra que ela conseguisse se tornar uma professora, pois ensinar os outros a serem sabidos, a seu ver, era mais urgente que casar.  
Sofia cresceu mais. Já estudava pra ser professora e já gostava muito de ensinar as pessoas. Ela estudava muito a Bíblia, e tinha muitas sabedorias para compartilhar com todos na igreja. Mas, para a sua chateação, na igreja só deixavam as mulheres falarem no dia das mulheres e em alguns outros escassos dias. “Vá ensinar às crianças, Sofia!”. Ela admirava muito quem ensinava crianças, mas não era seu dom. Acabou lembrando-se de João, que também ia à igreja. Ele gostava muito de ensinar crianças, então ela o convidou para a tarefa. João adorou a ideia! As pessoas comentavam, mas João sabia que Deus se agradava muito dele, então não tinha importância.
Sofia, para sua própria surpresa, agora tinha um namorado. Ela gostava muito dele, e ele dizia que gostava muito dela também.  Os dois iam juntos para a faculdade e eram da mesma turma. Mas, para seu aborrecimento, ele lhe deu algumas chateações. Um dia, em uma aula, eles tiveram que fazer um trabalho, Sofia teve uma ideia excelente. Ela falou toda empolgada sua ideia, mas a turma fazia muito barulho, ninguém ouviu, só o namorado ouviu. Assim que a turma se calou, quando ela ia falar sua ideia de novo, ele soltou o verbo primeiro. E, para a sua surpresa, ele disse exatamente a ideia dela como se fosse... Dele.
Mas, para o seu maior aborrecimento, houve uma chateação maior. Sofia pediu nota ao seu professor, ele pediu coisas nada devidas em troca da nota. Ela achou, é claro, que ele pediria que ela se mostrasse sabida, mas o professor queria que ela mostrasse o que ela não queria mostrar de jeito nenhum. Foi correndo contar para o namorado como seu professor era horrível. “Tem certeza que não deu motivo, Sofia? Com que roupa você estava?” “O quê?” “Sofia, tem certeza que você não entendeu errado?” “Não.” E não mesmo. Seu namorado também era horrível.  Essas palavras a chatearam muito, e palavras são muito especiais e importantes.  Ela não quis mais namorado.
Sofia denunciou seu professor, mas a denuncia ia para outros homens. Não deu resultado. Porém, ela conheceu um grupo de meninas que ouviram falar da sua enorme chateação. Eram meninas que tinham chateações muito parecidas com as dela. Ela começou a se encontrar e conversar com essas meninas. Descobriu que todas as meninas tinham várias chateações assim, todos os dias, e que essas chateações, não eram apenas chateações, eram opressões.
 Suas novas amigas se chamavam de algo que Sofia hesitava, por muito tempo, se chamar. Elas se chamavam de feministas. Sofia descobriu que, sim, era feminista, e que na verdade, sempre foi, porque sempre foi muito sabida. Descobriu que feminismo era uma coisa sabida demais, pois é coisa de quem quer que mulheres e homens tenham direitos iguais. Tão sabido que está na Bíblia, que Sofia tanto gostava.
E por falar em Bíblia, eis o mais surpreendente. O seu personagem principal, que, afinal, era mais amigo de Sofia que João, dava todo apoio para a nova Sofia feminista. Jesus era o mais sabido de todos. Não era igual aos outros homens. Não é, na verdade. Ele é puro e perfeito.  E ele, de sabido que é, não deixou que uma moça fosse apedrejada, nem se agradou de outra que estava limpando a casa em vez de ouvi-lo. Ele ensinou que lugar de mulher não é na cozinha, e sim aprendendo. Ele curou uma mulher com fluxo de sangue, pois se preocupava com a dignidade dela. Ele amava tanto as mulheres, que quando reviveu, as teve como primeiras testemunhas. Ele era a Palavra, desde o princípio. Sofia amava palavras. Principalmente três palavras: Deus é amor.



Esther Faria ( É Estudante de Direito na Universidade Federal de Uberlândia. Faz parte Rede FALE Uberlândia e da Aliança Bíblica Universitária)